She!

Saiu bem cedo, praticamente junto com o sol.
As ruas pareciam se estreitar aos seus pés que a levaram para algum lugar cada vez mais longe, cada vez mais distante de tudo e todos.
Os olhos contemplavam as ruinas do que um dia foi uma cidade agradável, todos os detalhes, desde os muros pixados até as escadas mal-acabadas, desde os cachorros abandonados até as senhoras moradoras de rua, tudo isso a incomodava profundamente.
A retina então fotografava em tons sépia, em tons preto e branco e na cor mais fosca possível toda a solidão da cidade que um dia adorou morar.
Mas agora ia embora curtir sua juventude em um lugar melhor, quem sabe, até que ela mesmo percebesse que o mundo todo estava do mesmo jeito se no seu íntimo as coisas não mudassem.
Jogou o celular no rio próximo a entrada da cidade, amarrou os cadarços do tênis e os pendurou no fio logo acima, sorriu para o cobrador do ônibus que acabara de passar e lembrou que ele havia a pedido em casamento há alguns meses.
Virou de costas para o caminho da frente enquanto olhava - talvez pela ultima vez - a estrutura daquele lugar. Poucos prédios, muita gente ainda dormindo, algumas lojas e padarias se abrindo devagar, alguns bancos de praça, exalando o vazio dos casais que agora ou estavam mais juntos do que nunca, ou simplesmente haviam soltado as mãos e continuado suas respectivas rotinas.
Ela não entendia bem, mas se sentia bem.
A paz de estar livre para voar, ir à qualquer canto que quisesse, escolher seu próprio passo, era inigualável.
E tudo isso ela conquistara através de um imenso amor.

- Eu amo você!

Mãos no bolso e mais um passo.
E aquele abraço continuava grudado no seu corpo, impregnado na sua pele junto com o perfume que tanto adorava sentir.
Ironia do destino.

Eram 6 horas da manhã...
No máximo 6 da tarde ela estaria de volta ao seu quarto, planejando uma nova fuga.

Mas a sensação... Ah, sim, aquela sensação...
Ninguém poderia roubar de sua alma.

...