sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Vida minha

Eu era uma semente, uma semente pequena e indefesa que brotava sonhos nos corações alheios, esperanças do que eu um dia seria, expectativas e talvez algumas ilusões. Eu era frágil, fortalecendo-se nos passos macios dados com o tempo, nas brincadeiras na enxurrada, num tempo que se sujar fazia muito bem. Eu era um vínculo, parecia inquebrável e inabalável, pai e mãe, irmão e irmão, a vida sempre pareceu fazer sentido, eu era um grito calado quando o sonho foi derramado, o pote quebrado e foi colocado um calço na mesa para ela não cair.
Por tempos o calço foi sendo desnecessário e então a estrutura passou a ser sólida, a guerra diária fazia as mãos mais fortes e o coração mais aberto e os dias se esticavam no calendário. Eu era uma semente nas mãos da vida, sendo plantada e colhida sem sequer saber o porquê.
Aquela ânsia de ser grande, aquele sentimento de querer crescer foi crescendo no peito e de sujeito em sujeito eu amadureci. Trabalhei, estudei, tentei cantar mas vi que não sei, tentei dançar e no final eu dancei e por fim das contas eu estou aqui.
Eu era uma semente, hoje sou planta, sou forte e alguns dias murcha, sou bela e alguns dias sedenta, sou natureza e alguns dias morta, mas sou eu aqui depois do mundo ter parecido desmoronar.
O tempo passou tão leve, parece ter passado intenso, parece ter sido devagar, já olho no espelho com meus olhos míopes e vejo algo diferente apontar, uma esperança contínua para o dia de amanhã.
Tenho aqui comigo as melhores lembranças, aquelas cócegas que o passado faz na nossa barriga e o frio na espinha que o futuro dá, aquelas palavras de "não vejo a hora de fazer 18" e os conselhos que ouvia e hoje dou de "não queira isso não! Depois dos 18 voa... ".
Eu pareço agora uma máquina do tempo, contemplando as memórias e colhendo o que é válido, guardando embaixo do colchão como um tesouro.
Vou vivendo agora, nobre planta, por vezes inabalada, em outras, toda amassada, junto ao amor que encontrei. Ninguém no mundo poderia sobreviver sem o amor.
Tenho sobrevivido, tenho cantado - embora sem saber - , tenho dançado, tenho sonhado mais e mais, com as fortes sensações de dias melhores e aquele suspiro preso no peito por uma vida significativa.

Obrigada Meu Deus!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Carta aos grandes


Sou um arco na flecha, sou um pó compacto fechado para uso, maquiando um rosto, enfeitando algumas verdades. Eu vejo coisas incorretas, discretamente disfarçadas, debaixo dos panos, queria que vocês pudessem lê-las em meus lábios sussurrando um pedido de ajuda, queria que pudessem percebê-las nas entrelinhas, soldar as brechas e encontrar a realidade. Queria que ouvissem os gritos que ouço quando faço meu silêncio. No silêncio dos outros eu começo a ouvir as reclamações, ah, estas reclamações. Alguns já não as fazem mais, alguns desistiram, se cansaram, detestaram o método, se conformaram, se adaptaram, se moldaram, se calaram... Alguns não estão mais, alguns pararam, outros ficaram. Ah, o mundo girando, pessoas nascendo, morrendo, o tempo todo os carros buzinam, paralisam, batem uns nos outros, correm riscos, riscos eternos, riscos de vida, de morte e da inexatidão. As pessoas, estas pessoas... dificilmente sabem lidar consigo mesmas, elas são fantoches de suas vontades e da aquisição de seus poderes, que consideravelmente elevam seus pensamentos ao estado de donos, de conquistadores, de quem sabe demais, engrandecem o ego, estufam o peito e esticam um sorriso. Sinceramente, este sorriso é o que me causa arrepios, o sorriso mais superior que o mundo pode formar.
Creio, senhores, que quem muito se eleva vê-se pouco do que ficou abaixo, há ainda muito por fazer meus caros. Ouço pedidos, ouço pessoas vivenciando momentos de glória e momentos de indecisão, momentos de vida, momentos de solidão, momentos em que uma dor fica cravada no peito apenas por não saber para que lado correr, preferível seguir em frente que bater contra a parede deste eterno ciclo contraditório.
Recuar, recuar, recuar, talvez com a imagem de um fracasso, talvez com a imagem de uma estratégia, seja o que for, recuar as vezes é melhor que tentar e mentir para si próprio, tentar e conseguir apenas aumentar a carga de um passado de tantas outras tensas tentativas.
Sou um ninho quente, abrigo em mim muitas vontades e elas estão chocando, estão crescendo e conforme o tempo amadurecendo. Acho que um dia as pessoas do mundo, deste mundo particular, peculiar, vão se confrontar como nunca, e pode ser que sobre muitos, pode ser que depois haja um oco triste, contando a história do que um dia foi um império.
Queria que pudessem tocar as paredes que toco com a mesma exatidão do meu dia a dia e não com o olhar clínico dos grandes, daqueles que passam a estar mas não estão. Queria que pudessem perceber nas aberturas o pouco de lealdades e o muito de inverdade que corre pelas ruas da cidade grande, pelos andares dos prédios, pelos olhares assustados. Os descontentamentos, os pensamentos mesquinhos e pequenos, as desestimulações, o mau comprometimento com o próximo, a não pró vontade.
É senhores, sou apenas sua cidadã. Um arco na fecha acertando o destino, acertando também no sentindo de consertar, acertando também no rumo de arrumar. Sou um cão que ficou sem dono, um peixe que reaprendeu a nadar, sou um elo entre o mundo lá fora e meu mundo aqui dentro, sou um fixo tentando não desconectar.