terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Coisas que me assustam - I

Medo num punhado de vidro



Há alguém no espelho.

Não sei ao certo quem é. Confesso que no início tinha certeza de que era eu, mas isso mudou e hoje, quando me atrevo a olhar para o espelho retangular da porta do meu guarda-roupa, o que vejo me faz gelar. É como se meu sangue invertesse o seu fluxo e formigasse por todo o meu corpo, causando uma terrível sensação.

A primeira vez que notei a mudança eu estava tentando espremer um pontinho preto na minha bochecha direita – a esquerda da pessoa no espelho. Os meus dedos friccionaram a pele, machucando-a, quando enfim consegui extraí-lo, sentindo aquele corpo estranho deixar o meu e escorregar entre meus dedos indicadores, o outro no espelho ainda o espremia e só alguns segundos depois eu vi o cravo ser expulso da bochecha “dele”. Confesso que esses segundos de diferença me pareceram uma eternidade, só depois que a sessão de tortura à pele tinha acabado foi que me veio a certeza de que foram apenas alguns segundos de diferença, ou talvez tenha sido apenas impressão minha. Admito também que me forcei a acreditar nessa segunda hipótese.

Não muito tempo depois “ele” voltou a se mostrar. Eu estava sentado à minha escrivaninha, rabiscando num bloco de papel com uma caneta vermelha, lembro que ela manchou o meu dedo indicador com um vermelho-mercúrio. Levantei a cabeça e, olhando para a direita, vi-me – ou eu achava que era eu – refletido no espelho do guarda-roupa velho. Dessa vez “eu” me olhava. Sabia que era a mesma expressão que eu fazia, mas o olhar não estava certo, eu sentia isso de alguma forma.

Tornei a baixar a cabeça para o bloco de folhas rabiscado em vermelho e minha visão periférica não captou nada. Olhei de relance e “o outro” ainda me fitava do espelho, mudara o ângulo da visão para acompanhar a minha cabeça. Observava-me com aqueles olhos negros, sem vida, olhos de peixe morto, mas sem dúvida curiosos.

Quando reergui a cabeça, “ele” já havia baixado a sua. E nesse momento meu coração acelerou tão rapidamente que achei que depois daquilo ele fosse parar. A imagem no espelho agora já se igualara à minha, mostrando uma cara pálida de pavor e suor frio.

Depois disso eu tomei uma medida: iria deixar a porta do guarda-roupa aberta, para que eu não olhasse mais aquele espelho. Assim o fiz e tudo que ele passou a refletir foi um dos recantos do meu quarto com o ventilador e a minha TV preta em cima do que fora um criado mudo.

Todavia, isso não foi suficiente; a TV exibia o que o espelho “via”. Olhando-a desligada, com aquele tubo de imagem negro, era como olhar para o retrovisor de um carro e eu senti o medo fluir através dos cabelos de minha nuca: no monitor refletindo o espelho eu pude ver aquele “ser” passeando pra lá e pra cá em seu próprio quarto.

A minha tática, além de covarde, fora burra: a TV estava ali quase que propositalmente.

Pensei em quebrar o espelho, mas por alguma razão que só agora consigo entender (em parte), não o fiz. Levantei da cama e fui fechar a porta do roupeiro. Fui cerrando a porta lentamente, acompanhando meu reflexo no espelho, que fazia a mesma coisa. Fiz uma breve pausa, deixando-a aberta aos 30° para averiguar se houvera alguma mudança na imagem do “outro”.

Nada. Fechei a porta de vez e tenho que dizer que não mais me espantei quando vi que do outro lado, no meu mundo invertido, a imagem permanecera nos exatos 30° anteriores. Fui me afastando lentamente, a imagem “dele” fez o mesmo, até que desapareceu da minha vista, indo de costas para o lado. No espelho eu via um canto do meu quarto que não podia estar sendo refletido naquele momento.

Um tempo depois – e desta vez tenho certeza de que foi um bom tempo – o reflexo tornou a se regularizar.

Ontem à noite eu não consegui dormir. Meus olhos não se desgrudavam do espelho do meu guarda-roupa. As horas se estendiam e tudo que eu conseguia fazer era piscar os olhos vez ou outra. Acabei por fim, apagando a lâmpada fluorescente, mas o basculante da janela fechada permitia que a luz da lua entrasse e iluminasse morbidamente o meu quarto. No espelho eu vi alguém no recanto da parede correspondente aos pés de minha cama. Olhei para lá e claro que não havia ninguém. Mas no espelho “ele” estava naquele local, como um vulto na semi-penumbra, lembrando-me – para meu pavor – uma foto passada como corrente por emails de uma menina fantasmagórica e sem pés num corredor sujo.

A madrugada veio e com ela a escuridão total. Não sei como, mas acabei adormecendo e nem preciso dizer que dormi pouco, pois quando despertei ainda estava um pouco escuro. Fiz de tudo para não olhar para “ele”. Dirigi-me para a porta fechada de meu quarto.

A porta não abriu.

Peguei o bloco de folhas na escrivaninha e minha caneta vermelha que suja o meu dedo indicador. A tinta agora está falhando, talvez não dê tempo de eu especular aqui mais um pouco sobre a minha condição...

Talvez baste dizer (e agora a ponta da caneta faz uma zoada seca cortante no papel) que o “outro” ainda está lá no espelho, como que a fitar uma linda paisagem a partir da janela de uma casa de campo ou de praia.

Para mim, é mais como um terrível quadro pintado em cores vivas (à exceção daqueles olhos), sem, no entanto, deixar de ser irreal. Até mesmo em sua morta curiosidade, o “outro eu” não me parece outra coisa senão um reflexo e só agora percebo que nunca foi o meu.

E acho que, por hora, esse é o fim.












N.A.: Após escrever esse conto (e durante também) evitei olhar meu reflexo diretamente no espelho, mas estranhamente, ou não, meus olhos eram atraídos para lá a todo instante.

9 comentários:

Guegu Blog disse...

There's a girl in my mirror
I wonder who she is
Sometimes I think I Know Her
Sometimes I realy wish I did...

O.o que medo!
Não assista "The Mirror" Alisson!
rsssss

Alissu Deschain disse...

Nem quero. Aquele filme eh ruim. HAUAHAUAH! Assim com a música da Brit acima.

HAUAHAUAHAUA!

olga disse...

Eu gostei, mas nem por isso vou deixar de dizer que muitas coisas me incomodaram...
A descrição tah diferente do teu habitual, o que me causou uma certa confusão pra entender os movimentos do "outro" e mesmo detalhes como a posição dos objetos no quarto.
Talvez um narrador em terceira pessoa ajudasse, mas tiraria muita da graça da história. Ainda quanto ao narrador eu achei ele meio formal demais às vezes...

Acho que quando o espelho não volta ao normal ao ser fechado foi a parte que eu mais gostei.

Conto claustofóbico e tenso na maior parte do tempo e no geral emuito bom. Só acho que, pelo tema e pela situação que vc criou, poderia ser bem melhor.

A foto eh foda +_+
E Dyego eh o superman

p.s: Assista Poltergeist II, o mais assustador dos filmes com espelhos q eu ja vi

_d.aia_ disse...

Olhaa...

Primeira coisa... kero escrever um conto tbm, me deu moh saudade dos tempos q escreviamos compulsivamente hauahuhua....

Segunda... ta d fato bem diferente do seu estilo d escrita, a historia mais madura, sem sangue... sem pernas... sem iscas... mais suspense doq terror... e isso tenho q dizer... eh mto bom ver...
Qto a forma de detalhar td... eh diferente sim, mas tbm ficou legal...

Gostei mto...
Consegui imaginar a cena...
E sonhar com mais um curta metragem...

* chamando Daniel *

\o/

bjo! =*

Alissu Deschain disse...

>_<

Valeu pelos comentários e pelas sugestões de _diabo_, que me ajudou na revisão. Quando eu escrevo em primeira pessoa normalmente causa estranheza nos leitores. Já tenho um exemplo anterior disso. XD

Bom, valeu pelo mais "maduro" Daia. Realmente não tem sangue... mas tem a tinta da caneta rs... E compensei na imagem. Quis criar mais um terror psicológico.

Da próximo eu trago um retrocesso à carnificina!

Muahahahah!

_d.aia_ disse...

aah naumm...
eu gosto mais assim ^^

Unknown disse...

Ficou bom esse conto, a um ano tinha começado a escrever um conto parecido com o início, mas o desenrolar era um pouco diferente. Enquanto a narrativa tem hora q é um pouco confuso, mas no geral é muito bom.

Anônimo disse...

Vou dar minha opinião antes de ler os outros comentários, pois sou facilmente influenciável.

Po, que saudade que eu tava dos seus textos! Ja havia dito isso uns dias trás, e fico contente à beça de te ver escrevendo coisas sinistras de novo!

Adorei, e me identifiquei com a parte da televisão - na qual tu põe ela pra 'refletir o reflexo' do espelho. Achei foda a lot!

=DD

Agora se o que tu quer é uma crítica (o que acho pefeitamente dispensável), acho que no terceiro quarto do texto comecei a cansar do 'exceço' [?] de palavras para dizer coisas pequenas. Entretanto, como um suspense é exatamente isso, embromar, embromar e embromar, acho que o 'excesso' [?] de detalhes ajudou bastante na construção do clima claustrofóbico. Muito bom.

E, mais uma coisa
quando eu for escovar os dentes antes de dormir lembrarei do seu conto e sentirei medo. Deus queira que o espelho não pisque pra mim.

mwa-ahahaha

Ps.: depois de Esmola, você já pode morrer. Ou ser morto.

Alissu Deschain disse...

Valeu Daniel e Ewerton!

Obrigado pelas críticas.

Ah, e tenho um novo conto escrito.

Só não sei ainda se vai ser publicado aqui.

^^

Abraços!