
O jovem anda solitário pela rua, chutando uma lata e mascando um chiclete de tuti-frutti. Nem sombra de gente por perto, nenhum som de moto ou de carro; não há nada para atrapalhar sua caminhada. A tarde cai no poente, e já começa a virar noite. O brilho alaranjado do Sol se reflete nos paralelepípedos e nos pés de fixo, espalhados pelas laterais da rua.
Numa destas encruzilhadas, local preferido das encalhadas, eis que surge uma velhinha de vestido florido, andando lentamente e carregando dois sacos de frutas, indo a algum lugar que talvez nem ela saiba onde é. O jovem decide aproximar-se para oferecer ajuda.
– Boa tarde, senhora!
– Boa... tarde, filho... – a velha está ofegante.
– Quer ajuda para levar as frutas?
A velhinha para e mira o garoto. Seus olhos miúdos parecem surpresos por detrás das lentes fundo-de-garrafa. Ela hesita por um momento; olha para um lado, olha para o outro e, por fim, sorri sem graça:
– Se não se importar...
– Claro que não! - diz o garoto tomando uma das sacolas nos braços, que por sinal estão bem mais pesadas do que ele pensava.
Depois disso eles põem-se a andar novamente, com toda aquela morosidade característica de um velho carregando um saco e de um jovem mascando chiclete. Um caminha ao lado do outro, mas não trocam uma palavrinha sequer. O silêncio continua a reinar.
A velha olha para o horizonte, mas vê tudo opaco. Na sua cabeça, o máximo que acontece é uma releitura rápida dos passos que acabou de dar. Lembra vagamente do rosto do garoto ao seu lado, mas isso é suficiente para causar-lhe as mais pessimistas impressões.
“Quem será que é esse moleque? Quê que ele quer comigo?” – ela o avalia com o canto do olho – “Ah meu Padim Ciço, com essa cara... no mínimo deve ser um maconheiro querendo dinheiro. Onde já se viu, aparecer no meio do nada e oferecer ajuda?”
Logo ao lado, caminhando desengonçado, o rapaz de vez em quando exibe um sorriso discreto, mas sem nenhum motivo aparente. Por certo, deve estar pensando em algo muito engraçado.
“Cara, essa velha tem mó cara de maluca... Parece a bruxa do 71, só que mais velha. Viche... – ele dá uma rápida olhadela pro lado – e bota velha nisso... Mais parece uma romã estragada...
– Ta calor... – murmura o rapaz.
“Que ele quis dizer com isso? - pensa a velha. Será que ele quer me assaltar? Meu Deus, o maconheiro é um assaltante! Oh, meu são Benedito, não permita que ele me faça nada de mal não...”.
– Até que ta frio... – responde a senhora, depois de um tempo.
O jovem continua a olhar de soslaio para a senhora. As lentes dos óculos dela estão alaranjadas, brilhando como dois faróis de caminhão. Pelo seu colo percebe-se que ela parece ainda mais ofegante do que antes.
“Ó só pra ela. Tomara que não enfarte aqui. Só pode ser velho mesmo... Porque existe velho? Velho só serve pra dar prejuízo... Se eu fosse presidente proibia essas pragas de envelhecerem.”
A senhora dá uma ligeira estacionada.
“Acho que vou parar lá na casa da Mariazinha. Esse maconheiro deve estar só esperando a hora certa de dar o bote. É melhor parar... Ah, mas e se ele estiver armado? Aí ele mata a Marizinha também! Oh, meu Deus! E se ele for estuprador e fizer algum mal à Marizinha? Não. Jamais. É melhor eu me sacrificar do que entregar minha neta na mão desse estuprador...”
A velha se recompõe e prossegue a caminhada. O garoto continua com a mesma cara de bobo, fazendo bolas com seu chiclete já sem gosto. Em uma de suas mãos o saco exala o cheiro de várias frutas diferentes.
“Quem é doido ao ponto de misturar todas as frutas? Essa velha só pode estar caducando. – agora ele é quem para. – Vai ver não são frutas; são ingredientes de macumba! Eu devia aproveitar que a rua ta deserta para acabar com essa velha macumbeira. Jogo ela no mato e adeus; já era. Ah... não, é melhor não. Vai que a macumba se volta contra mim?...”.
***
Depois de alguns minutos de caminhada, de divagações um tanto quanto excêntricas (ou não) e de poucas verbalizações, a senhora finalmente para de andar.
– É aqui? – diz o garoto.
– Sim...
– Quer ajuda para colocar pra dentro?
– Não, muito obrigada meu filho. Deus te pague.
Antes de se despedirem, seus olhos se encontram uma última vez. Agora, eles sabem, talvez nunca mais se vejam. Ele seguirá seu caminho, chutando latas e imaginando outras cenas engraçadas. E a senhora continuará sua vida, já sem graça alguma a não ser pelas novelas mexicanas e pelo programa policial que passa ao meio dia, antes dessas mesmas novelas.
Ambos continuarão, levando as suas vidas para algum lugar imprevisível, pois, afinal de contas, o mundo é assim mesmo. Mas, como ninguém entende qual é a real do acaso, é possível que este jovem ainda volte à casa da velha e acabe comprando uma das suas deliciosas saladas de frutas. E Deus permita que dessa vez não tenham uma impressão tão estranha um do outro. Mas, se Ele não permitir... Bem, que não fiquem só nos pensamentos.
***
Cena Epílogo:
Quando ele dá as costas e se vai, a velha permanece a olhar para o horizonte, até que ele some no opaco da sua vista. Uma voz doce vem lá de trás, dentro da casa:
– Quem era, Vó?
– Era um rapazinho simpático, Marizinha.
6 comentários:
Meo... mto massa amore...
Me lembrei dakela histórinha chinesa... d tiros em calouros...
acho q se conecta.. (ou naum)...
q seja... vc sab q eu adorei...
e a Lu tbm!!! ^^
Lov u...
Parabéns!!!
A foto que e escolhi! *emoção*
Ah eh, então, o texto :P. Eu gosto desse, gosto de imaginar o silêncio entre eles. De certa forma me lembra uma crônica do Verissimo, acho que Colsulta ao Dentista, ou algo assim...tbm se trata de diálogos não travados ^^.
Se eu fosse escolher alguém pro papel do carinha com certeza seria Joelmir xD
Enfim, ótimo como sempre \o/
Detalhe: Olga escolheu a img
...
e eu escolhi o título!!!
Por favor...
Kero já os nossos créditos!
hunf!
Bom, eu já tinha lido este. Comentado também, da minha maneira clássica, pelo msn e ao vivo: LEGAL! o_o
¬¬
Bom, mas deixei passar uns detalhes. Você talvez queira me matar por isso, ou não... Se quiser trocar socos comigo... tudo bem! =D
Bom, eu gosto deste texto. Acho que ele é um sério candidato à curta. Joelmir no papel do carinha (ótima idéia Olga)...
Bom, mas na minha cabeça um coisa não se encaixa:
“Ó só pra ela. Tomara que não enfarte aqui. Só pode ser velho mesmo... Porque existe velho? Velho só serve pra dar prejuízo... Se eu fosse presidente proibia essas pragas de envelhecerem.”
Alguém que pensa assim não se ofereceria a ajudar uma anciã... A não ser que estivesse realmente mal intencionado.
Bom. Nada mais a dizer. Você manda muito bem nesse gênero. É um futuro ótimo cronista.
Deixa ver se faltou mais alguma coisa...
A imagem... Olga que escolheu. Eu não gostei muito, não sei... Mas é que essa velha é jocosa demais (se bem que a do seu texto também é, mas em determinados momentos, como na cena epílogo, isso deixa de existir, gerando uma certa conturbação de imagens de personagens), mas como não conseguiria achar melhor, não vou criticar.
Muito bom.
U_U
*fecha as asas pontudas e vai domir*
*coração partido*
"...O jovem continua a olhar de soslaio para a senhora. As lentes dos óculos dela estão alaranjadas, brilhando como dois faróis de caminhão. Pelo seu colo percebe-se que ela parece ainda mais ofegante do que antes."
Alguém roubou o óculos dela...
* olhando a imagem *
* corre atras do bat-alisson *
Foi vc!!!
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