terça-feira, 26 de agosto de 2008

Dream on

Sing with me
If it's just for today
Maybe tomorrow the good lord will take you away



Querido Diário

A porta estava meio aberta e rangia aquele velho som irritante. Alguns passos leves e observava a sala empoeirada e sob a mesa do canto o retrato feliz de algum dia. O sofá tão antigo com o meio fundo e um pano cobrindo-o com cuidado e logo à sua frente uma mesinha de centro torta e sem jeito com o pó do que um dia foi uma flor.
E continuava a caminhar levemente passando para a cozinha onde a meia-luz conseguia passar pelas frestas da janela pregada a tábuas firmes. Sob a pia continuava os pratos daquele jantar e o guardanapo agora retorcido estava encostado no canto. No meio, havia uma mesa. A mesa mais desajeitada de todas com uma cadeira faltando.
O cheiro ainda continuava no ar e era como reviver todos os momentos passados ali. Observou a escada de longe e pode mesmo sentir o vento nos cabelos enquanto corria alegremente para o quarto. Continuou a caminhar passando as mãos na poeira que levantava.
A escada não era mais segura, alguns degraus faltavam e outros estavam ameaçando faltar, mas tinha um desejo tão grande em continuar a explorar o lugar que subir cuidadosamente degrau por degrau não foi problema.
Olhou o corredor e no final havia uma pequena janela com uma mesinha simples e uma gaveta. E se lembrou da gaveta e do querido Diário. Fechou os olhos como quem buscasse uma lembrança fina aflorar e deu mais um passo virando o rosto para as paredes.
Cada foto apagada e amarelada e cada sorriso real e cheio de vida. Olhou com carinho quadro por quadro e a leveza de seus passos lhe assegurava o movimento ideal na expedição.
A porta do quarto estava semi-aberta e pode-se ouvir o som da vitrola tocar lá dentro. O sorriso brotou em seus lábios pequenos instantaneamente. De olhos bem cerrados tocou a porta não querendo ver o quarto mas senti-lo e recordar a essência que aquele lugar tinha.
Com vagareza olhou cada canto e ali estava tudo em seu lugar. Escrivaninha, cama e vitrola. E quanta história tinha para contar e quantas mais para ouvir.
Fechou a porta como quem protegesse o local e continuou até o final do corredor visitando todos os cômodos. Enfim se aproximou da mesinha, viu a gaveta aberta e tocou o diário. Os olhos se apertaram junto com o coração e a outra mão pressionou o peito.
E aquele sentimento de final se aproximava pouco a pouco.


“Querido Diário,

Esta é a sua ultima página. Me cansei de escrever tanta coisa, me cansei de ser quem sou. Estou indo embora e lhe guardarei na gaveta do corredor. E apenas lhe digo uma coisa: Se a decisão que tomo hoje não for a correta, com certeza morrerei ao teu lado alguns anos mais tarde, pois sim, voltarei nesta casa e não encontrarei ninguém. Será o momento que perceberei a velhice me tocar e os erros que cometi. Notarei as escolhas erradas e as besteiras feitas e então a dor será maior que a vontade de acertar, pois não me haverá tempo, será o momento. Não que seja tarde por ser tarde, mas tarde será pela tristeza que me assaltará quando observar cada centímetro de um lugar onde vivi tantos momentos bons. Sim, morrerei aqui ao teu lado, você que me acompanhou sempre e foi abandonado com tal crueldade. Querido Diário estou indo embora. Não para nunca mais voltar, mas para voltar e ir de uma só vez.”


E então o corpo deslizou pela parede e a mão ainda apertava o peito. Os olhos quase fechados olhou ao lado e mais uma vez não viu ninguém e a dor súbita de errar tantos anos foi o estopim de sua morte.


“Querido Diário, Adeus!”





4 comentários:

olga disse...

Eu sou a primeira! *faz dancinha da vitória*

Incível o modo como vc descreve não só as imagens, mas principalmente tudo realtivo ao sentidos do olfato e principalmente do tato.
Achei esse parecido com uma cena de "A Casa dos Espíritos" em que a moça volta pra casa. Gostei desse, mas senti que faltou algo...pena n puder lhe dizer o que exatamente =/

A foto combinou perfeitamente ^^

=***

Josy Poulain disse...

Fantástico!!!!!

Alissu Deschain disse...

Foi uma boa oportunidade poder reler esse texto-crônica. Bom, não sei ao certo quanto tempo se passou desde que o li pela primeira vez, mas pouca coisa mudou na minha concepção a respeito dele. Você me lembrou que na época eu havia dito que era o seu melhor texto.
Eu estava errado.
Esse não é o seu melhor texto.
Mas é nele que encontramos elementos que são característicos de sua obra, dessa fase, que por sinal, já se encerrou. Percebi claramente a mudança do modo como você escreve. Continuando: "Querido diário" abriu as portas para o que viria em seguida. Nele encontramos a personagem sobre a qual giram todas as reminiscências; o pessimismo que permeou seus contos e poemas dessa fase; os cenários fechados - geralmente casas grandes e com escadarias-, visualmente carregados de nostalgia. Enfim, elementos que hoje ainda encontramos em textos mais recentes seus, mas explorados de outras maneiras.
Prefereria a música Memories, do Within Temptation, de fundo... O clipe dela, por sinal, lembra muito este texto (acho que comentei com voçê, na época em que o li pela primeira vez).

Bom, é isso.

*meus coments estão aumentando drasticamente de tamanho*

*abre as asas pontudas e sai voando, projetando uma sombra negra by batman no chão*

Rumo ao próximo post!

o/

_d.aia_ disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk


* crise *