Há tantas pessoas esbarrando em meu corpo na prática imóvel. Sinto o calor de todas se aproximando, encostando, mas seus olhos jamais encontram os meus e eu permaneço a seguir meu caminho sem pensar muito nisso.
No ônibus todos se encontram. Ao meu lado alguém planeja um suicídio e eu poderia salvá-la, mas não sei de nada e nada poderei fazer. O motorista vai ser pai pela primeira vez e está radiante e a senhora idosa lá na frente morrerá amanhã - mas ninguém sabe.
Descemos todos juntos. Um grupo de 8 pessoas no mesmo ponto.
Vou pela direita, onde 3 das 8 caminham logo atrás. Observo as sombras se formando no chão quebrado e sinto vontade de olhá-las e sorrir, mas não as conheço e não será necessário conhecê-las.
O jovem de mochila preta e vermelha que caminha olhando os pés poderia ser o melhor homem da minha vida, mas não me virei, não sorri e ele passou por mim sem me perceber.
E novamente senti alguém esbarrando nesse meu corpo quase atônito.
Naquela rua de comércios via-se uma multidão caminhando para todos os lados e confesso que é sufocante pensar que todas estão mais conectadas do que nunca - já que uma mesma coisa poderia acontecer a todos nós.
Vejo a ambulância parada socorrendo alguém do outro lado da rua e sinto vontade de observar. Com certeza outras pessoas também sentem, mas ou estão muito ocupadas com suas vidas ou - assim como eu - pensam no que vão pensar: apenas mais uma curiosa atrapalhando.
Caminho tanto tempo vendo tantas faces e com tantas dessas pessoas eu poderia me envolver.
Aquele homem poderia me fazer feliz e aquela mulher poderia ser minha mãe.
Aquele cachorro poderia ser meu e aquela criança uma prima, uma irmã.
Meu melhor amigo poderia ser este, e aquele poderia ser o amigo dele que conheci depois.
Mas estamos tão envolvidos na mesmice do dia que é automático apenas andar, observar, fazer e voltar para casa.
Acender a luz fraca do quarto, abrir o livro e mergulhar de mente livre.
Mas não consigo ficar livre depois de tudo.
Nessa hora provavelmente aquela mulher corta os pulsos, como planejara pela manhã.
O homem sorri para a esposa que exibe a barriga de 6 meses.
E a senhora comprime o peito com toda força que pode dando os primeiros sinais do seu futuro certo.
E todos os outros dormem, amam, odeiam e clamam por minutos de solidão.
Enquanto talvez mesmo em silêncio, grito para que ela - aqui em meu quarto - acabe.
E o jovem está lá deitado na cama, olhando o teto, pensando em qualquer coisa menos em mim.
Porque não consegui olhá-lo nem sorrir.
Não consegui mover minhas mãos nem mesmo minha face mudou.
As pessoas - todas elas - voltam amanhã para o mesmo lugar ou qualquer diferente e continuam a caminhar fadigadas com suas rotinas.
Trombam. Trombam.
E no final do dia...
Acho que sempre estão sozinhas... Ao lado de si mesmas ou daqueles que lhes cercam.
Porque solidão não existe por ausência de pessoas por perto.
Existe por ausência de amor, correspondido e crescente...
Existe por não poder dizer o que se sente.
2 comentários:
Uma noite dessas eu tava no ônibus a caminho da UEPB e me veio à mente a idéia de escrever sobre aquelas pessoas. Eu me sentei no meio, na última poltrona, e fiquei as observando enquanto passavam pela roleta.
Bom, você começou com uma cena parecida e desenvolveu um texto psicologicamente profundo e, por mais que pareça pessoal, abrange muitas outras pessoas. Acontece que elas estão tão fadadas a pensar em outras coisas, impostas pelo sistema, que não chegam a essas conclusões as quais você chegou neste texto. Eu mesmo me sinto angustiado diante da possibilidade de deixar passar alguém possivelmente importante para minha vida, só porque não nos falamos em determinado momento.
Bom, mas é aí que entra a minha outra forma de pensar, adubada pelos mangás do CLAMP... Hitsuzen. E me sinto mais aliviado com ela diante da preocupação inicial. Enfim... Algo para ser comentado em outro momento.
Seu texto tá muito bom, Daia.
Concordo com seu pensamento final sobre a solidão.
Bom, é isso.
=*
"It's the sense of touch. In any real city, you walk, you know? You brush past people, people bump into you. In L.A., nobody touches you. We're always behind this metal and glass. I think we miss that touch so much, that we crash into each other, just so we can feel something." do filme Crash
Me lembrou isso, ainda que não da mesma forma ou com o mesmo enfoque. Lembrou apenas.
Como Alisson falou, é também uma coisa que em angustia, já pensei muitas vezes que a vida é pequena demais pra que possamos conhecer todas as pessoas interessantes do mundo...e que, mesmo que houvesse tempo, talvez não o fariamos.
Observar as pessoas e imaginar como seria minha vida se fosse elas é um hobby estranho que tenho, sua inserção na vida delas é parecida.
Mas como eu já disse, você não está sozinha, nunca vai estar.
Ótimo texto, de verdade.
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