quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O que aconteceu...

Ane tinha só um baseado. As bebidas já estavam no final das garrafas, a mão tremia de medo e abstinência, os olhos estavam cheios de lágrimas e inchados de tanto chorar.

Ane era uma adolescente perdida.


Estava sentada há horas na escada da frente da sua casa, as pernas abertas e as garrafas no meio, um cigarro na mão e ela estendia o corpo sobre os joelhos olhando as laterais da rua totalmente abandonada.


No fundo, Ane sabia que ninguém iria passar por ali, que de fato ela estava sozinha e que não tinha ninguém para perguntar o caminho ou pedir ajuda.


Esticou a perna, olhou o tenis e o cardaço desamarrado. Suspirou com raiva, colocou a mão no bolso da calça, tirou alguns papeis amassados e uma moeda de 50 centavos.


Levantou, puxou todos os bolsos pra fora e a única coisa era mesmo: 50 centavos.


"Nossa, muito obrigada! Estou rica!".


Jogou a moeda com tanta força que seus olhos não puderam acompanhar onde ela caiu.


Levantou e deu dois passos, olhou para tras avistando a sua casa, respirou e seguiu em frente.


Estava deixando uma história para tras, talvez um pedaço de si mesma.

Seus pés não se firmavam muito bem ao solo, ela desviava dos buracos e da destruição, a mão apertava próximo a coxa e seu olhar, obervava com diferença a "paisagem" cinza da cidade.


Ane não sabia para onde tinha que ir, havia colocado na mochila as garrafas e o baseado e assim ela seguia, carregando nas costas a única coisa que lhe sobrara. Não havia família, não havia amigos, não havia ninguém para incomodar.
Seu sonho havia se realizado.


Ela avistou na avenida principal vários carros parados, batidos, a poeira ainda subia do chão. Aquele cheiro de esgoto enjoava o estômago e a sujeira era maior do que já foi em qualquer época.

Todas as lojas estavam abertas, se esforçasse os olhos conseguiria ver muito mais que destroços, portas, carros e sujeira. Havia corpos.

Não era um caminhar uniforme, mas aos poucos ela conseguia chegar em algum lugar. Entrou em uma lanchonete, reparou com tristeza as mesas viradas, aquela neblina cinza no ar, aquela sensação de adeus.

Estava com fome. Era fome demais.

Procurou por todos os lados e o pouco de pão que encontrou no fundo, comeu.

Era uma solidão quase indescritível.

Ela então sentou-se em uma das cadeiras do lugar, jogou a mochila no chão, abriu e puxou uma garrafa e quebrou-a no canto da parede.

Eram lágrimas que desciam de seus olhos, semelhante a raiva e a dor que ela sentia.

Segurou com toda a força aquele caco de vidro grosso e mirou para o pulso.

Com os olhos fechados, Ane pensava... Lembrava do tremor, das paredes descendo, da mãe gritando e de sair de casa em seguida e não conseguir encontrar nunca mais as pessoas que ela amava.

Ane lembrava daquela cena final e de ter restado, sem saber na verdade, porque ainda estava tão forte diante de tanta destruição.



continua...


0 comentários: