domingo, 8 de fevereiro de 2009

O cara do algodão doce


Quando abri a porta de minha casa estava tudo de "pernas pro ar".
Alguns ainda arriscavam encarar as pessoas nos olhos, mas poucos eram os sortudos que conseguiam enxergar qualquer sinal de vida.
O ônibus chegou e uma freada seca jogou todo mundo para frente. Ninguém disse nada, apenas se arrumaram nos respectivos bancos e voltaram a prestar atenção na paisagem cinza.
Me lembro que nesse mesmo caminho, do lado direito, costumava haver um posto.
Eu já o observei por muitas vezes, mas já não me faz diferença. Afinal hoje é apenas um amontoado de terra cobrindo o passado com a fumaça negra que sobe do chão.
Os rostos pálidos e fechados das pessoas me intriga e me enerva, acho que não sei muito bem o que fazer no meio de tanta evolução
.

Deixamos uma cidade e pegamos a estrada. Vendo o horizonte se formando ao longe, a luz do sol que não brilha e alguns cachorros na beira da pista precisando de atenção.
Ao menos eles são os mesmos.

O desenho da rua mudou. Teve que mudar depois de tanta coisa acontecendo. Claro, passaram anos e anos e com o tempo as coisas tendem a ser diferentes.
Minhas mãos agora já mostram as marcas desses anos passados, meus olhos já não vêem tão bem quanto antes - se bem que mesmo antes não costumavam ser tão bons - e o povo ao meo redor não esquenta mais a cabeça com problemas.
São robôs em forma de humanos.

Ou humanos, parecendo robôs.

O motorista, ainda não sei o nome dele.
Já faz uma vida e compartilhamos sempre os mesmos momentos, perigos e emoções.
Ele carrega todos os dias, eu e o resto da cidade na bagagem e nos confere segurança em seu modo de dirigir.
Basta um stress e todos nós teremos o mesmo destino.


Pensando bem, todo santo dia todos nós estamos conferidos ao mesmo tipo de destino, apenas não nos damos conta do quanto estamos próximos.
Bobagem.


O mundo todo já evoluiu demais para eu continuar pensando nisto.

E lá, depois que os pés descem os degraus altos do ônibus e caminham pelas ruas de uma outra cidade suja, a mente vaga lentamente por todos os nomes de loja, por todas as épocas passadas enquanto caminhavam naquele mesmo espaço e por tudo que já passou.

Na mesma praça.
No mesmo canto da praça.

O cara do algodão doce está lá.
Hoje ele permanece sentado, com os ossos fracos, o riso apagado esperando alguém o notar.

Mas a vida é corrida demais para ter alguém querendo provar uma neve doce pagando alguns centavos.

Eu também corria, mas lembrei de uma ultima vez.

Alguns olhares que se cruzaram.
Alguns sorrisos, palavras e momentos.

Foram anos e anos felizes e hoje apagados com o tempo voltaram na mente.

Um senhor pobre, maltrapilho que segura alguns doces espera o mundo voltar nos anos...
Uma criança brincalhona passar e olhar com um sorriso radiante.
Um casal apaixonado passar e fazer o dia ficar mais bonito com um olhar distante.
Lá está o cara do algodão doce.

Fui até ele, ele pareceu não me notar, mergulhado no esquecimento de toda população.

- Quanto custa?
- Hum?

Me olhou e o susto não estampou nada senão sua alegria em me ver aproximar.

- Não é nada minha querida.

Me entregou um, levantou-se e sorrindo discretamente caminhou pela calçada.
Fiquei observando e o vi desaparecer ao virar a esquina.

É claro, as cores da cidade não mudaram. As pessoas não me pareceram mais felizes nem menos hipócritas, mas eu...
Pelo menos eu...

Senti denovo o que é ser livre.

No dia seguinte, ele não estava lá.
Talvez estivesse em outra praça, esperando mais um que tomasse coragem e tempo e se aproximasse...
Talvez ficara doente, em casa, pensando.
Talvez não existisse mais...

Não há como saber...
O que é certo é que eu o vi...

E toda a essência de uma juventude hoje tão passada e largada há anos voltou junto ao doce do algodão.
Enquanto agora volto no ônibus e substituo por mim própria, o cinza da estrada por um rosa cintilante e a saudade pela recordação.

... ...



3 comentários:

Anônimo disse...

Wow, eis aí uma coisa sua diferente do que tenho lido.


Keep changing, right?
Soon, soon, for the first time 'you'll find yourself again'.

:P

Unknown disse...

Daia q lindo...ñ sei nem como descrever o q senti ao ler este texto. Mas fato é q me tocou profundamente. Amei como amo tudo que vem de você!!!! ^^

Alissu Deschain disse...

Gostei Daia.

Bom de ler. O efeito das cores foi bacana tbm. A narrativa uma doçura. >_<

E, como disse Dan, diferente do que tenho lido seu.

Achei que o texto poderia acabar antes das duas últimas linhas.

PARABÉNS!

P.s.: Dei uma viajada particular enquanto lia... HAUAHAU! E criei td uma história de ficção científica em cima do velho do algodão-doce.

XD