domingo, 3 de agosto de 2008

9 Crimes



Através da janela de vidro ele contemplou o brilho frio das pequenas luzes da cidade uma última vez. Afrouxou o nó da gravata, fechou os olhos e encostou o cano da arma contra a têmpora direita. Sua mão não tremia, ele não sentia medo, remorso ou angústia agora, apenas a conhecida solidão. Respirou fundo e o dedo indicador estava prestes a puxar o gatilho quando o barulho da porta o assustou. Ninguém tinha aquela chave. Ninguém a não ser ela. O coração, não a arma, disparou.

- Parada ai! Não se aproxime! – disse ele ao se virar.

A mulher não lhe deu atenção. Calmamente trancou a porta, guardou chaves, despiu o casaco e descalçou os sapatos. Caminhou pela casa com a segurança de quem estivera ali centenas de vezes. Deixou-se largar no sofá e pela primeira vez desde que chegara fitou seu anfitrião.

- Olá estranho! – a frase transformava-se em sorriso nos lábios carmim. – Como vai?

Atônito ele permanecia na mesma posição. Sem mexer um músculo, tentava absorver todo o impacto da situação insólita. Como se acordasse de um sonho apontou a arma para ela e a voz vacilou ao perguntar.

- O que faz aqui? Por que voltou?

- É falta de educação responder a uma pergunta com outra pergunta, sabia? – riu-se – Apontar armas aos convidados também.

Aquele cinismo o confundia, aquela calma o irritava. Sabia que ela não responderia. Ainda sob a mira da 9mm ela continuava a encará-lo com os mesmo olhos negros que ele tanto se obrigara a esquecer. Olhos que não revelam nada, janelas de uma alma fechada.

- E então? Não vai me oferecer um drinque?

Ele relaxou o braço e baixou a arma. Há muito tempo desistira de entender aquela criatura.

- Vá embora, não há mais nada pra você aqui. – fechou os olhos e não conseguiu disfarçar a mágoa que tomava conta de sua alma, a ferida exposta que ela tornara a abrir com seu sorriso.

Preguiçosamente a mulher se levantou e rumou em direção ao bar no outro extremo da sala. Ao passar próxima a ele foi retida pela mão forte que segurou seu braço. O perfume dela era veneno para ele. Mais uma vez, ainda de olhos fechados suplicou:

- Vá embora.

- Não posso.

Dessa vez não era um jogo. Ela reclinou a cabeça para trás e encarou o teto demoradamente. Uma lágrima escapou-lhe pelo canto do olho.

- Eu sei que o que fiz não tem perdão.

Ele permaneceu calado. Ela sorriu, o sorriso melancólico dos que perderam as esperanças.

- Você ainda me ama?

Sentiu a mão que segurava seu braço apertar-lhe com força, como se quisesse perfurar a carne. Ele abriu os olhos e encarou os dela por um momento eterno. Queria dizer que a odiava mais que tudo, que a amava mais que tudo, que amava sem saber por quê. Mas sabia que o momento de dizer-lhe isso passara, que não havia retorno agora. Que seu amor não fôra o suficiente. Foi sua vez de sorrir.

- Me dê uma razão pra te amar...

Bruscamente ela agarrou-lhe a mão direita, levando a arma que ele empunhava de encontro ao próprio peito. Perplexo o homem libertou o braço que segurava o dela e tentou largar arma, não conseguiu. Sentiu que ela se aproximar, engatilhar e sussurrar ao seu ouvido:

- Me dê um tiro, você não tem nada a perder.

Parou de lutar contra ela. Suspirou, abraçou-lhe e encostou a cabeça em seu ombro. Em seguida atirou.

It’s a small crime and I got no excuse

Is that alright, yeah?

Give my gun away when it's loaded. Is that alright?

A mulher permanecia de pé enquanto o homem lentamente tombava e o abraço se desfazia. Os olhos arregalados dela refletiam o brilho frio das luzes da cidade. Sua mente não processava a informação. Não entendia como ele pudera atirar em si mesmo. Abaixando-se ela tocou-lhe o rosto e entre lágrimas perguntou:

- Por quê?

Serenamente ele respondeu:

- Porque era a única maneira de matar em mim a parte que havia de você.

Is that alright?

Is that alright?

Is that alright with you?

No...




Inspirado na música 9 Crimes de Damien Rice e no texto 274 do blog Sinais de Fumo


5 comentários:

_d.aia_ disse...

Meu Deus do céu!!!

Me diz...
vc tava escondendo o jogo todo esse tempo???

E eu achando q vc naum costumava escrever... tsc tsc...

As descrições...
Os perfis...
Os sentimentos...

Td num compasso exemplar...
Fantastico!!!

Quero ler maissssss *-*

parabénssss Olga!!!!

Vai q eh tua menina...

ta brilhante!

Alissu Deschain disse...

Caraca... Olga nessa de não escrever... Escondeu o jogo legal!

Futuro Nobel!


Adorei o estilo, Olga!

Caramba, isso tá parecendo comentário do Recanto...

*espera só pra ler o comentário de Daniel*


Caraca, depois do texto divertido da Daia... O seu fechou com um aperto no peito.

Perdi até o sono... Ou já dormi.

Embora meus olhos negros continuem a refletir a luz do monitor...


Enfim.

Tu eh phoda.

Anônimo disse...

Antes de tudo, discordo completamente de qualquer comparação que venha a ser feita.

E quanto ao comentário que o Alisson está esperando... bem, vai ficar esperando. ¬¬

Agora ao invés de ME matar, vocês deveriam matar a Olga. Ficou mais do que claro que quem realmente é o Alpha aqui é ela.

Sem mais.

olga disse...

Aff soh pra contrariar Alisson ele n comenta ¬¬

Sou alpha demai, por acaso sou convidada pra ser do top five do blog famoso? Não tente fugir não viu seu moço!

"Futuro Nobel!"
*olha pra Saramargo, olha pro texto, deleta o post*

Quanta Luz disse...

Para você lembrar :D

tipo...
esteticamente falando (em termos de estrutura, palavras, sentenças) eu senti como se tivesse lendo um desses livros que eu to acostumado a ler sabe? tipo: "Ela reclinou a cabeça para trás e encarou o teto demoradamente". "reclinou" e "demoradamente" na minha opinião são palavras que você tá habituada a encontrar nos livros que descrevem situações parecidas.
No segundo texto o do café, eu senti originalidade e estilo próprio.
Portanto liberte a aquariana avessa as convenções e abuse das palavras e construções incomuns. xD