
Através da janela de vidro ele contemplou o brilho frio das pequenas luzes da cidade uma última vez. Afrouxou o nó da gravata, fechou os olhos e encostou o cano da arma contra a têmpora direita. Sua mão não tremia, ele não sentia medo, remorso ou angústia agora, apenas a conhecida solidão. Respirou fundo e o dedo indicador estava prestes a puxar o gatilho quando o barulho da porta o assustou. Ninguém tinha aquela chave. Ninguém a não ser ela. O coração, não a arma, disparou.
- Parada ai! Não se aproxime! – disse ele ao se virar.
A mulher não lhe deu atenção. Calmamente trancou a porta, guardou chaves, despiu o casaco e descalçou os sapatos. Caminhou pela casa com a segurança de quem estivera ali centenas de vezes. Deixou-se largar no sofá e pela primeira vez desde que chegara fitou seu anfitrião.
- Olá estranho! – a frase transformava-se em sorriso nos lábios carmim. – Como vai?
Atônito ele permanecia na mesma posição. Sem mexer um músculo, tentava absorver todo o impacto da situação insólita. Como se acordasse de um sonho apontou a arma para ela e a voz vacilou ao perguntar.
- O que faz aqui? Por que voltou?
- É falta de educação responder a uma pergunta com outra pergunta, sabia? – riu-se – Apontar armas aos convidados também.
Aquele cinismo o confundia, aquela calma o irritava. Sabia que ela não responderia. Ainda sob a mira da 9mm ela continuava a encará-lo com os mesmo olhos negros que ele tanto se obrigara a esquecer. Olhos que não revelam nada, janelas de uma alma fechada.
- E então? Não vai me oferecer um drinque?
Ele relaxou o braço e baixou a arma. Há muito tempo desistira de entender aquela criatura.
- Vá embora, não há mais nada pra você aqui. – fechou os olhos e não conseguiu disfarçar a mágoa que tomava conta de sua alma, a ferida exposta que ela tornara a abrir com seu sorriso.
Preguiçosamente a mulher se levantou e rumou em direção ao bar no outro extremo da sala. Ao passar próxima a ele foi retida pela mão forte que segurou seu braço. O perfume dela era veneno para ele. Mais uma vez, ainda de olhos fechados suplicou:
- Vá embora.
- Não posso.
Dessa vez não era um jogo. Ela reclinou a cabeça para trás e encarou o teto demoradamente. Uma lágrima escapou-lhe pelo canto do olho.
- Eu sei que o que fiz não tem perdão.
Ele permaneceu calado. Ela sorriu, o sorriso melancólico dos que perderam as esperanças.
- Você ainda me ama?
Sentiu a mão que segurava seu braço apertar-lhe com força, como se quisesse perfurar a carne. Ele abriu os olhos e encarou os dela por um momento eterno. Queria dizer que a odiava mais que tudo, que a amava mais que tudo, que amava sem saber por quê. Mas sabia que o momento de dizer-lhe isso passara, que não havia retorno agora. Que seu amor não fôra o suficiente. Foi sua vez de sorrir.
- Me dê uma razão pra te amar...
Bruscamente ela agarrou-lhe a mão direita, levando a arma que ele empunhava de encontro ao próprio peito. Perplexo o homem libertou o braço que segurava o dela e tentou largar arma, não conseguiu. Sentiu que ela se aproximar, engatilhar e sussurrar ao seu ouvido:
- Me dê um tiro, você não tem nada a perder.
Parou de lutar contra ela. Suspirou, abraçou-lhe e encostou a cabeça em seu ombro. Em seguida atirou.
It’s a small crime and I got no excuse
Is that alright, yeah?
Give my gun away when it's loaded. Is that alright?
A mulher permanecia de pé enquanto o homem lentamente tombava e o abraço se desfazia. Os olhos arregalados dela refletiam o brilho frio das luzes da cidade. Sua mente não processava a informação. Não entendia como ele pudera atirar em si mesmo. Abaixando-se ela tocou-lhe o rosto e entre lágrimas perguntou:
- Por quê?
Serenamente ele respondeu:
- Porque era a única maneira de matar em mim a parte que havia de você.
Is that alright?
Is that alright?
Is that alright with you?
No...
Inspirado na música 9 Crimes de Damien Rice e no texto 274 do blog Sinais de Fumo
5 comentários:
Meu Deus do céu!!!
Me diz...
vc tava escondendo o jogo todo esse tempo???
E eu achando q vc naum costumava escrever... tsc tsc...
As descrições...
Os perfis...
Os sentimentos...
Td num compasso exemplar...
Fantastico!!!
Quero ler maissssss *-*
parabénssss Olga!!!!
Vai q eh tua menina...
ta brilhante!
Caraca... Olga nessa de não escrever... Escondeu o jogo legal!
Futuro Nobel!
Adorei o estilo, Olga!
Caramba, isso tá parecendo comentário do Recanto...
*espera só pra ler o comentário de Daniel*
Caraca, depois do texto divertido da Daia... O seu fechou com um aperto no peito.
Perdi até o sono... Ou já dormi.
Embora meus olhos negros continuem a refletir a luz do monitor...
Enfim.
Tu eh phoda.
Antes de tudo, discordo completamente de qualquer comparação que venha a ser feita.
E quanto ao comentário que o Alisson está esperando... bem, vai ficar esperando. ¬¬
Agora ao invés de ME matar, vocês deveriam matar a Olga. Ficou mais do que claro que quem realmente é o Alpha aqui é ela.
Sem mais.
Aff soh pra contrariar Alisson ele n comenta ¬¬
Sou alpha demai, por acaso sou convidada pra ser do top five do blog famoso? Não tente fugir não viu seu moço!
"Futuro Nobel!"
*olha pra Saramargo, olha pro texto, deleta o post*
Para você lembrar :D
tipo...
esteticamente falando (em termos de estrutura, palavras, sentenças) eu senti como se tivesse lendo um desses livros que eu to acostumado a ler sabe? tipo: "Ela reclinou a cabeça para trás e encarou o teto demoradamente". "reclinou" e "demoradamente" na minha opinião são palavras que você tá habituada a encontrar nos livros que descrevem situações parecidas.
No segundo texto o do café, eu senti originalidade e estilo próprio.
Portanto liberte a aquariana avessa as convenções e abuse das palavras e construções incomuns. xD
Postar um comentário