505

Havia perdido a noção do tempo. A luz dos postes entrava pela janela em intervalos regulares, ia de encontro ao seu rosto, depois sumia. Ele abriu os olhos, em seguida os fechou. Revirou-se na poltrona desconfortável e tentou fugir da luz, não havia muito para onde ir.

Uma manhã cinza era o que o céu prometia. Só mais duas horas, das sete de viagem, mas o ônibus parecia não querer chegar ao destino. Quanto a ele, ainda não tinha certeza se chegar era bom ou ruim. Desistiu de dormir, apoiou o cotovelo no encosto da poltrona e imaginou a reação dela ao vê-lo entrar pela porta. Pensou naqueles olhos e no que eles teriam a dizer, pensou no quanto a amava.

Pensou se era o suficiente.

In my imagination
You're waiting lying on your side
With your hands between your thighs


Queria saber se ela ainda estaria lá, se aquele sorriso ainda estaria lá. Abriria a porta, largaria a mochila na cadeira e iria deitar na cama para assisti-la sonhar. Tudo estaria exatamente como havia deixado. Apesar de tudo o que foi dito, nada desmoronou. Queria ter ao menos essa certeza, para respirar em paz. Gravar seu rosto na memória, não esquecer nenhum detalhe. Dizer que não iria embora, mentir só para tê-la mais uma vez.


Stop and wait a sec
When you look at me like that
My darling what did you expect?
I probably still adore you
With your hands around my neck
Or I did last time I checked


No início não fazia diferença se ele ia ou não ficar, bastava que estivesse ali. Ia sempre que podia, nenhuma promessa foi feita. Eram felizes ao seu modo, apesar da distância, tolerando as ausências. Mas aos poucos ele notou a sutil mudança no toque, nos beijos, inevitavelmente corroídos pela dor da espera. As paredes daquele velho quarto de hotel testemunharam o fim de um sonho, do qual ele se recusava a acordar.

E agora, chegando à soleira da porta ele, que deveria se desculpar, esperava que ela estivesse sinceramente arrependida. Encarava o número do quarto enquanto segurava firme a maçaneta, rezando para que ainda estivessem lá, ela e seu sorriso. Porque havia prometido a si mesmo que, se a fizesse chorar mais uma vez, não iria mais voltar.


I'm going back to 505
If it's a 7 hour flight or a 45 minute drive
In my imagination you're waiting lying on your side
With your hands between your thighs...


Em cima do travesseiro a carta que ela escrevera horas antes esperava para ser aberta.


Adeus querido.

Não sei quanto tempo dura um adeus, mas esse me parece definitivo. Agora sou que te digo o que você foi incapaz de me dizer: Não me espere. Não vou voltar.

Ainda te amo, só não sei por quanto tempo.


But I crumble completely when you cry
It seems like once again you've had to greet me with goodbye
I'm always just about to go and spoil the surprise
Take my hands off of your eyes too soon


I'm going back to 505
If it's a 7 hour flight or a 45 minute drive
In my imagination you're waiting lying on your side
With your hands between your thighs


And a smile

Inspirado na música 505 da banda Arctic Monkeys
Carta escrita por Daia a pedido meu